
Pois bem, chegou a hora: decidiu comprar um carro elétrico. Ouviu falar tanto do tema que até lhe parece uma boa ideia. Mas sabe realmente o que é necessário saber, ter ou fazer?
Mesmo que tenha “algumas luzes” sobre o assunto, mesmo que já tenha comprado carros novos ou usados, não perde nada em ler este artigo. Pode aprender alguma coisa ou, quem sabe, até ensinar-me a mim.
Comprar um carro elétrico é, em muitos aspetos, exatamente como comprar qualquer outro carro. Não deixa de ser um meio de transporte individual que serve para deslocações do ponto A ao ponto B. Este é o primeiro mito a desfazer.
Existem, no entanto, duas diferenças fundamentais, pelo menos para o condutor típico português: não tem mudanças manuais e não utiliza combustível. Como já sabe, em vez de um depósito, tem baterias. E, em vez de abastecer com um combustível líquido (gasóleo, gasolina ou GPL), carrega a bateria com eletricidade.
De forma simplista — talvez até demasiado — é isto. Portanto, comprar um carro elétrico deveria ser como comprar qualquer outro carro… mas não é. Muito por culpa de lóbis que fomentam a desinformação. Alguns com interesses absolutamente transparentes (como o lóbi da indústria petrolífera) e outros com interesses bastante opacos. Este artigo não é sobre esse tema, mas este site é: procurar lançar luz sobre um assunto perfeitamente transparente que interesses obscuros tentam, deliberadamente, obscurecer.

Posto isto, vamos lá comprar um carro.
Antes de mais, o que precisa? Um citadino? Um SUV? Quantos quilómetros pensa fazer por semana? Quantas pessoas vai transportar? Quanta bagagem? É o único carro da família ou apenas para o dia a dia?
A pergunta-chave é: quantos quilómetros pensa fazer por semana?
Porque o que realmente encarece um carro elétrico é o tamanho da bateria. Quanto maior, mais cara. Não faz sentido comprar um carro com a maior bateria do mercado, com 600 ou 700 km de autonomia, se faz 40 km por dia, 200 km por semana, 800 km por mês… e apenas uma vez por ano vai ao Algarve e percorre 600 km. Este é outro mito comum: comprar a maior bateria possível “para não precisar”.
Outro mito: só pode comprar um carro elétrico quem consegue carregar em casa. Sendo um pouco provocador, pergunto: também tem uma bomba de gasolina em casa ou no trabalho?
Isto serve apenas para ilustrar como o desconhecimento favorece lóbis com interesses contrários àquilo que, neste momento, é a solução mais lógica: a mobilidade elétrica. Se quiser discutir este tema, envie-me um e-mail. Terei todo o gosto em debater consigo.

Carregar um carro
Carregar um carro elétrico é, contrariamente à crença popular, mais conveniente do que abastecer um carro a combustão. Dou um exemplo simples: num dia de chuva torrencial, ir a uma bomba de combustível significa, quase sempre, ficar molhado. Carregar um carro elétrico? Enquanto faz compras, vai ao cinema, janta ou dorme, o carro está a carregar. Nem dá por isso.
Liga o carro e segue a sua vida. Não precisa de segurar numa pistola, inalar gases tóxicos ou enfrentar frio, chuva e vento. Não precisa de planear a sua vida em função do abastecimento. Vive normalmente e, quase de certeza, num dos seus percursos diários haverá oportunidade para “dar um cheirinho” de eletricidade ao automóvel.
Tal como fazia com o carro a combustão, não precisa de carregar sempre até ao máximo. Carrega o que necessita ou o que é possível naquele momento. Mais cedo ou mais tarde, terá nova oportunidade de carregar. Em casa é, naturalmente, mais conveniente, mas carregar fora de casa não é mais incómodo do que abastecer — pode até ser bastante menos.
Em autoestrada, tal como acontece com os carros a combustão, carregar é mais caro. Memorize esta regra simples: carregue apenas o suficiente para chegar ao destino.
Aliás, em muitos casos, carrega mais fazendo dois carregamentos de 15 minutos do que um de 30 minutos. Isto deve-se à física das baterias: o carregamento não é linear, é feito em curva. Nos primeiros minutos, a velocidade de carregamento é elevada; à medida que o tempo passa, vai diminuindo. Se quiser aprofundar o tema, procure informação ou contacte-me.
Outro mito recorrente é a durabilidade das baterias. Atualmente, as baterias duram, em muitos casos, mais do que o próprio carro. As marcas planeiam a vida útil de um automóvel para 10 a 15 anos e, devido ao receio dos consumidores, oferecem garantias extensas: no mínimo 8 anos ou 160 mil km, existindo já garantias de 10 anos ou até 1 milhão de quilómetros.
Se cumprir três “mandamentos” quase sagrados — usar carregamentos rápidos apenas quando necessário, não deixar a bateria descarregar totalmente e evitar carregar acima dos 80% no dia a dia —, quando enviar o carro para abate as baterias continuarão a ter vida útil, armazenando energia em casas, estádios, cidades ou fábricas.
Aspeto ambiental: cerca de 97% de uma bateria é reciclável. O petróleo não é.
Sim, a extração de matérias-primas é poluente, mas todos os dias os fabricantes desenvolvem soluções menos impactantes. Já a extração, transporte e refinação do petróleo são altamente poluentes. Portanto, durma descansado: é a opção correta. Quer debater o tema? Terei todo o gosto. Gosto de aprender, sobretudo se estiver errado.

Vamos a um stand (físico ou virtual)
Já sabe qual a bateria que realmente necessita? Então, o resto é igual a qualquer outro carro: espaço para passageiros, bagagem e critérios subjetivos como marca, design ou cor. É precisamente por ser subjetivo que existem tantas marcas e modelos — caso contrário, andaria toda a gente no mesmo carro.
O tipo de motorização, esse sim, já não é subjetivo em 2025: tem de ser elétrico. Ponto.
Uma chamada de atenção para a invasão de marcas chinesas. Se optar por uma destas marcas, saiba que, das muitas que estão a entrar no mercado, apenas algumas irão sobreviver. Isto é relevante para a assistência e para a revenda do veículo.
Embora um carro elétrico exija incomparavelmente menos manutenção do que um carro a combustão — tem muito menos peças e praticamente não possui componentes móveis sujeitos a desgaste —, continua a precisar de assistência. Se a marca desaparecer, a obtenção de peças pode demorar meses, especialmente se a cadeia logística depender da Ásia. É diferente quando o fabricante já possui armazéns de peças na Europa ou em Portugal.
Informe-se sobre quem é o importador e se existe um reparador autorizado perto da sua residência. Este ponto é crítico, por exemplo, em caso de acidente. Pode não precisar de revisões frequentes, mas pode precisar de algo simples, como um para-choques — e isso pode significar meses de imobilização.
O meu conselho é escolher três marcas: uma chinesa, uma ocidental e uma tradicional. Sei que a compra é mais emocional do que racional e muito influenciada por modas. Já foi Tesla, hoje é BYD.
Sendo, provavelmente, o seu primeiro carro elétrico, vá pessoalmente aos stands e pergunte. Perguntar não ofende. Tenha em conta que muitos vendedores venderam carros a combustão durante anos e a mudança de mentalidade não é imediata. Por isso, visite pelo menos dois stands de representantes diferentes da mesma marca — não tanto pelo preço, mas pela qualidade do aconselhamento.
Se algum vendedor tentar convencê-lo a comprar um carro a combustão, termine a conversa. Está perante alguém preso a mitos. É mais fácil vender o que sempre se vendeu. Se for médico, também lhe seria difícil tornar-se contabilista de um dia para o outro, não é verdade? Se discordar, ótimo — venha debater comigo.
Negociação
Não o vou ensinar a negociar. Hoje em dia, é uma perda de tempo para si e para o vendedor. A maioria das marcas pratica preços tabelados. O regateio é uma tradição do sul da Europa. Muitas vezes, o preço é inflacionado apenas para permitir um “desconto psicológico”.
Não se iluda: não é melhor negociador do que o vizinho nem do que ninguém. Um bom negócio só o é se for bom para ambas as partes. Seja direto. Diga quais os modelos que está a considerar e que não quer rodeios. O vendedor vai agradecer a frontalidade e, muito provavelmente, apresentar-lhe o melhor preço possível.
As margens nos automóveis são reduzidas. Não é por um carro custar dezenas de milhares de euros que existem milhares de euros para negociar. As marcas querem, legitimamente, praticar preços iguais para todos.
Importação e usados
No caso de um carro usado, tente conhecer o histórico da bateria e não hesite em pagar um diagnóstico. O maior inimigo da bateria é o utilizador. O calor — gerado sobretudo por carregamentos rápidos frequentes — é o principal fator de degradação.
Limite os carregamentos rápidos ao essencial, carregue apenas o necessário e evite carregamentos rápidos frequentes até aos 100%. No uso normal, carregue até 80%. Se precisar, carregar até 100% pontualmente não traz qualquer problema.
Nos carros usados importados, muitos vêm de frotas TVDE, onde o tempo parado é prejuízo — e, por isso, recorrem quase exclusivamente a carregamentos rápidos. Se notar falta de transparência por parte do vendedor, fuja. Carros há muitos; dinheiro, pouco.
Comprou um carro elétrico. Parabéns!
Agora precisa de carregar na rua. Assim que souber a data de entrega, subscreva cartões de carregamento junto de dois ou três operadores. Atualmente, o Continente é um dos mais económicos.
A Mobi.e gere a rede de carregamentos, mas deverá desaparecer em 31/12/2026. Já é possível pagar em muitos carregadores com cartão bancário ou aplicação, mas o modelo de subscrição continua a ser, regra geral, mais barato. Pagar com cartão bancário implica, muitas vezes, pagar o preço máximo.
Carregamentos: outro salto no desconhecido
Carregar em casa é mais cómodo e tranquilo. Recomendo sempre uma wallbox, que permite carregamentos mais rápidos e um melhor controlo.
Se não tiver essa possibilidade, não desespere. Em Portugal, não há centros comerciais, supermercados ou parques de estacionamento sem carregadores. Aliás, já existem mais pontos de carregamento do que bombas de combustível — e em número significativamente superior.
Enquanto vive a sua vida, o carro carrega. Utilize aplicações como a Miio ou a Chargemap para verificar disponibilidade e preços. Não raras vezes, na mesma rua, encontra preços radicalmente diferentes. Um minuto de pesquisa pode poupar-lhe bastante dinheiro.
Em viagem
Planeie as paragens para carregar. A maioria dos carros fá-lo automaticamente: introduz o destino e o sistema calcula as paragens com base no seu estilo de condução. Lembre-se: carregue apenas o suficiente para chegar ao destino ou ao próximo ponto. Quanto mais tempo está a carregar, mais caro se torna.
Quanto à autonomia — a famosa ansiedade —, tal como nos carros a combustão, depende de inúmeros fatores: percurso, velocidade, temperatura, relevo. Mas o fator mais determinante está entre o volante e o banco: o condutor.
Na Europa, a autonomia é anunciada segundo o ciclo WLTP. Alguns fabricantes divulgam apenas valores urbanos, que favorecem os elétricos. Regra prática: em autoestrada, retire cerca de 20% à autonomia WLTP; em cidade, pode adicionar 20%. Se a autonomia anunciada for urbana, retire 35 a 40%.
Alguns fabricantes, como a Nissan, já indicam autonomia real em autoestrada. O novo Leaf de 75 kWh anuncia 600 km WLTP e cerca de 330 km a 130 km/h. Esta transparência deveria ser regra.
Agora que comprou, desfrute. Há muito para explorar.
E, sobretudo, espalhe a palavra.
Custos reais de utilização (TCO – Total Cost of Ownership)
Um dos maiores benefícios do carro elétrico raramente é explicado com clareza: o custo total de utilização.
- Manutenção: não há mudanças de óleo, filtros de combustível, correias de distribuição, embraiagem, velas ou sistemas de escape. As revisões são mais simples e mais baratas.
- Travagem regenerativa: pastilhas e discos duram muito mais tempo.
- Impostos: em Portugal, os elétricos estão isentos de IUC. As empresas recuperam o IVA, além de outros beneficios fiscais. Além de serem isentos de pagamento de estacionamento de rua em muitas vilas e cidades.
- Energia: mesmo carregando fora de casa, o custo por quilómetro é, regra geral, inferior ao de um carro a gasóleo ou gasolina.
👉 Um carro elétrico pode ser mais caro na compra, mas mais barato ao longo da vida útil.
Seguros: um ponto muitas vezes esquecido
Nem todas as seguradoras avaliam corretamente os veículos elétricos.
- Verifique se o seguro cobre explicitamente a bateria.
- Confirme se há exclusões relativas a incêndio durante carregamento.
- Em caso de carro importado, confirme se o valor seguro reflete o valor real de mercado em Portugal, e não apenas o valor de compra no estrangeiro.
Capacidade de reboque e barras de tejadilho
Nem todos os elétricos permitem:
- Reboque (mesmo reboques ligeiros).
- Instalação de barras de tejadilho ou caixas de carga.
Se transporta bicicletas, pranchas ou precisa de reboque, confirme este ponto antes da compra.
Atualizações de software (OTA)
Ao contrário dos carros tradicionais, muitos elétricos:
- Recebem atualizações de software remotas (OTA).
- Podem ganhar novas funcionalidades ou melhorias de eficiência ao longo do tempo.
- Podem também perder funções se o fabricante assim o decidir.
É importante perceber:
- Se o fabricante cobra por atualizações.
- Se o sistema multimédia continuará a ser suportado ao longo dos anos.
Aquecimento, ar condicionado e inverno
O impacto do clima é frequentemente subestimado.
- O aquecimento consome mais energia do que o ar condicionado.
- Carros com bomba de calor são muito mais eficientes no inverno.
- Em trajetos curtos, no frio, o consumo pode aumentar significativamente.
👉 Verifique sempre se o modelo tem bomba de calor e se é de série ou opcional.
Tipos de carregamento e fichas
Nem todos os compradores compreendem bem este ponto.
- AC (corrente alternada): carregamento mais lento, típico de casa e postos públicos normais.
- DC (corrente contínua): carregamento rápido ou ultrarrápido.
Pontos a confirmar:
- Potência máxima de carregamento AC do carro (7,4 kW, 11 kW ou 22 kW).
- Potência máxima DC realista (e não apenas o pico anunciado).
- Tipo de ficha (na Europa, CCS é o padrão atual).
Planeamento de longo prazo: valor de revenda
O mercado dos elétricos está a evoluir rapidamente.
- Modelos com baterias pequenas ou carregamento lento podem desvalorizar mais depressa.
- Marcas com rede sólida e histórico na Europa tendem a manter melhor valor.
- A perceção pública sobre autonomia e velocidade de carregamento influencia fortemente a revenda.
Empresas, ENI e benefícios fiscais
Para quem compra através de empresa ou como ENI:
- Isenção de Tributação Autónoma (até certos valores).
- Dedução de IVA em determinadas condições.
- Benefícios adicionais em frotas empresariais.
👉 Para muitos profissionais, o elétrico não é apenas uma escolha ambiental, é uma decisão fiscalmente inteligente.
Condução: expectativas realistas
Por fim, um ponto psicológico:
- A condução é mais silenciosa e suave, o que pode levar a velocidades mais elevadas sem perceber.
- O binário imediato muda completamente a experiência de condução.
- Depois de se habituar, voltar a um carro a combustão pode parecer um retrocesso.